Um hipopótamo.
Tanto eu queria.
Mas afinal, como o encontrou?

A rosa mais linda e inesperada no meio da rua.
O pôr-do-sol naquele ponto alto da cidade.
Todo aquele carinho nos olhos, de verdade.

O "eu sou chato, não tenho assunto" que eu queria colocar no meu colo para sempre.
Quanto assunto... quanto assunto nós criamos... desenvolvemos... inventamos.

O elogio impetuoso que corria na beira do mar.
E a venda nos olhos para levar-me até lá.

A carência tão apaixonante revelada pelas espiadas sobre as minhas mãos
Que acariciavam pelas primeiras vezes suas pernas enquanto dirigia.
O passeio de liberdade pela estrada de pedras onde a gente ia.

O estímulo conjunto, criador de ideias, de inventar.
A união da criatividade, a afinidade, a sintonia. O sonhar.

Aquele toque tão sutil, tão macio.
O morango e o chantilly.

As artes na casa da tia; na casa da mãe.
A sensibilidade de juntar o coelho ao ovo de páscoa.
As conversas divertidas com a sua sogra.

A compreensão no caminhar, pela beira da estrada
Para os ponteiros acertar.
A questão que fazia de me ter.
Por perto.
Junto.
Para sempre.

As aulas enforcadas, para ficarmos mais grudados.
As aulas em que me levava junto, para ficarmos mais colados.

O deliciamento do Strognoff da Camis.
"A Camis". "Nunca mais eu desgrudo".
A Nega Maluca da casquinha dura descoberta. Ah! Quantas negas malucas...

Os abraços infindáveis, nos quais eu sabia, para sempre queríamos estar.
A paciência que segurava minhas mãos até eu me acalmar.
As mãos que desfaziam o vinco entre os meus olhos até não mais restar.

A alegria ao ouvir o apelido, da minha boca saído, naquela mesa de praia a lhe chamar.
A satisfação pelo gesto de ter ido até você, onde estivesse, lhe encontrar.

Os e-mails apaixonados.
O pedido ao pai ausente.

Fazendo-se tão presente
Ensinou-me a conversar.

As unhas pintadas naquele quarto de fazenda.
As buscas cansativas por ruas paraguaias.
As buscas criativas pelas lojas de escrever, de criar, de ler, de pintar.

O aconchego introcável das nossas camas de solteiro...
Não precisávamos de mais nada.

A fragilidade que só precisava do meu colo.
O romantismo que só queria minha presença.
Daquele menino, eu queria eternamente cuidar.

A confissão à tia.
Confissão de casar.

As poesias.
Escritas 5 minutos antes de sair ou de deitar.
A parceria.
Como a mão e o braço, estar sempre onde o outro está.

A idolatria.
Nos bastidores e no palco.
O companheirismo.
De frente da TV. Do trabalho. Da festa. Do estudo. Da criatividade.
Estávamos sempre lá. Não importa onde precisávamos estar.

A noite em claro para, mesmo que de longe, me acompanhar.
As noites em claro para, mesmo que trabalhando, ao teu lado estar.
O estímulo que me convencia linda. Ao mais natural possível. Quando o mundo exigia exatamente o contrário.

O afeto imensurável.
As rosas e beijos.
O sorriso com tanta ternura.
Carinhos e apelos.
O desejo.

O paciente enfebrado - tão amado, naquela cama do litoral.
A fala doce e tranquila que me deu paz e colocava tudo no seu lugar.

A dança mais linda, ensinou-me a dançar.
Com ele, os sonhos mais lindos, nunca imaginados, aprendi a almejar.

As fugas nos fins de semana.
Éramos só nós dois...

E o resto do mundo?
O resto do mundo que explodisse em algum lugar.
Entrelaçados o dia todo naquele branco sofá.
De manta no passeio noturno, ao vento do mar...
...

Assim era viver com ele.
Quantas e quantas mais lembranças guarda o coração.
Quanta felicidade vivemos...

Onde estarás agora?
Além de aqui, no mais profundo de mim?

Tirou-lhe a própria existência.
Esvaiu-se com todo o sangue derramado sobre o assoalho do quarto.
Terminou de escorrer ligando-se ao medicamento... água abaixo.
Levou ele embora de mim.

Dentro dos vasos sanguíneos, costurou-se um outro.
Tentei recuperá-lo por tempos.
Ah, como insisti...
Implorei.
Desci.
Desci até encontrar o fim.
Mas dele, não havia mais ali.

Algumas vezes, pareceu querer voltar
Mas já não era mais ele...
AQUELE não lhe deixou ficar.

Aquele.
Não é mais ele.
Diz-me querer levar, pra lá e pra cá. Fugir pra aquele nosso lugar.
Depois, diz não mais sonhar.
Aquele.
Certo dia, diz me amar.
E num outro, apenas gostar.
Aquele.
Vira a noite misturado ao meu corpo.
De dia, acorda a me escorraçar.
Em uma fala, diz ter tudo aqui em uma só.
Na seguinte, não sabe se comigo quer estar.
Aquele.
Não deixa-me ir embora
Mas diz não poder mais amar.
Aquele.
Já não sabe se está, nem se quer estar.
Esconde-me ao bater da porta.
Às vezes parece sentir-se bem ao machucar.

O que me deixou de bom, diz não mais acreditar.
É isso o que diz fazer bem para si.
É assim que diz estar mais feliz.

Livrou-se da sensibilidade.
Desfez-se do amor.
Pela janela, o romance jogou.
A poesia da vida, que era certa
Sobre o trilho o trem passou.
Todo aquele seu esplendor
Para fora da porta fechou.

Será só para mim?

Como uma bela pintura que escorre suas cores.
Como a rosa perfeita que gastou seu perfume.
Beija-flor sem flores. Montanha sem cume.

A bolha de sabão
Que no ar deveria estar
Por fim preferiu ao chão se atirar

Enterrou-se.
Ele.
Que apenas eu conheci.

Velou-se.
Ele.
Que aqui em mim se alojou.
Onde, tão somente, permanece a viver.
Junto de si, de mim tudo levou.

Se este, meu amor, era o descanso que necessitava, vá em paz.
Se esta era a liberdade que almejava, é certo que jaz.

Se nada mais posso fazer...
Devo eu, apenas conformar-me com a tua definitiva ausência.
Devo então, confortar-me com a tua extinta presença.
Que ao menos em minha alma restou.

Leva noite.
Leva a dor que me consome.
Leva a tristeza de saber que, aqui nesta, não mais o verei.
Leva as lágrimas pelos mortos que não irão, por elas, levantar.
Tira também de mim a vontade de outros sonhos sonhar.
Deixa a certeza de ter sido único.
Deixa ao menos o conforto de ter tudo isso para lembrar.

Traz dia a possibilidade de em uma estrela, a gente se reencontrar.

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